quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Em poucas palavras

Seus olhos são de um azul muito claro, característica que geralmente é associada a pessoas dos gelados países escandinavos. O formato de sua cabeça entrega sua real origem: de fato vem do norte, mas de uma região mais abaixo no globo, dos ensolarados estados do Nordeste brasileiro. De lá, ele provavelmente herdou o bronzeado de sua pele, que contrasta claramente com a cor de seus grandes olhos.

Uma forma de comprovar sua ascendência seria ouvi-lo falar, escutar o musical sotaque nordestino, que deixa claro quem são os migrantes que decidiram se aventurar na cidade de São Paulo. Parece, porém, um homem de raras palavras. O pouco que ouvi sair de sua boca foram números, talvez porque é o mínimo que sua profissão o obriga a verbalizar: “R$ 2,50”, ele responde, economicamente, a quem deseja comprar os jornais de sua banca.

Seus cabelos brancos poderiam dar o ar respeitoso que só a idade traz, mas seu figurino acaba por abortar qualquer chance de que isso acontecesse. Veste-se simplesmente: calças jeans, tênis e camisetas de algodão são praticamente seu uniforme. As blusas geralmente são brancas, mas sempre desenhadas. Não é incomum que nessas estampas estejam outros algarismos, não os R$ 2,50 do jornal, mas os números de partidos políticos, mesmo em épocas distantes das eleições.
O que, à primeira vista, poderia ser encarado como comprometimento fervoroso a um partido, é facilmente desmentido se ele for observado por vários dias: os modelos podem parecer iguais, mas pertencem a partidos dos mais diferentes posicionamentos políticos, desde a extrema esquerda até partidos de tendências claramente direitistas.

Essa aparente infidelidade partidária não o parece perturbar, nem a seus clientes - que talvez nem percebam a incoerência. Sua forma de se vestir está mais ligada a uma simplicidade no jeito de ser do que a suas ideologias.

Os olhos ao horizonte geralmente miram o mundo que há fora de sua banca de jornais, com uma alegria de viver sem explicação aparente. Afinal, ele está sempre sozinho, rodeado por suas folhas. Antes das 6 horas da manhã, já pode ser visto em sua banca, organizando metodicamente as publicações do dia. Pelas tardes, quando os executivos andam apressados pela rua para chegar aos restaurantes onde irão almoçar ou para voltar ao trabalho, ele continua lá, a observar o mundo a sua volta sem se deixar contaminar por ele. Talvez seja por isso que prefira não dizer muitas palavras.

2 comentários:

Livia Hay disse...

Uau, que bonito!
Resolveu sair da dieta do não-post? E esse aqui entra na série "eu também posto os textos que escrevo para o Welington..."
ei, ta sumida!
bjos

Gabriel Carneiro disse...

que picaretice, hein?