sexta-feira, 26 de junho de 2009

Terceiro sinal




Ela tinha 25 anos. De repente, certamente mais rápido do que esperava, sua barriga começou a crescer. E então era duas, era três, era quatro. Era lavadeira, era cozinheira, era babá, era atriz de peças de marionetes, era motorista – primeiro no roteiro casa escola, depois cinema e casa da namorada – era conselheira, era arrumadeira. Era facilitadora. Assim, de tanto olhar para fora e para os outros, não percebeu que ia diminuindo, até que um dia simplesmente deixou de existir. Pode parecer horrível, mas na verdade não se sentia tão bem há muito tempo. Não sentia nada. Não sentia o tempo passar, as rugas surgirem entre as sobrancelhas, a habilidade de manter uma conversa interessante por mais de 5 minutos enferrujar. Achava-se feliz enquanto falava dos outros pensando estar falando de si.


Foi então que aconteceu: o que sempre sonhou, o que sempre quis, mas achavam que nunca aconteceria. Assustada, quis recusar. Não a deixaram, afinal, era a chance da vida, e agora os focos de luz estavam todos voltados para ela. O lugar onde sempre quis estar era também aquele do qual desejava fugir. Pensou que se ficasse bem quieta como antes e se fizesse bem pequena como antes, então tudo passaria e todos estariam novamente felizes. E ela acreditaria que também estivesse. Mas sob os focos de luz até a menor das criaturas não passa despercebida, e ao invés de ficarem todos felizes, ficaram todos enfastiados. Durou pouco. Todos viraram os olhos, o foco se apagou e ela então sentiu aquela sensação de fracasso que só os que não tentaram o suficiente sabem descrever.


Foi aí que ela olhou para cima. Todos aqueles que ela temia e que pensava que olhavam fixamente para ela segundos atrás, conversavam entusiasmadamente sobre suas próprias vidas.


domingo, 21 de junho de 2009

Fluxo interno de pensamentos fragmentados ®

Decidi escrever uma história.



Ela começa assim: A mocinha vai casar. Isso porque toda história que é boa, mas boa mesmo, começa com uma tragédia.



E no final ela morre. Não, o marido morre. Não sei quem, mas alguém vai morrer no final.
É, ela não morre mesmo não, mas entra em coma. Mas isso não é no fim, é no meio. Ela entra em coma quando está com o marido, mas eles não conseguem ajuda médica porque eles estão em um lugar bem longe... no Bonete. Tá, Ilhabela não é um lugar bem longe, mas eles não têm tanta grana assim pra irem passar a lua de mel em alguma ilha perdida no pacífico. Pensando bem, tem até bastante gente na Ilhabela agora, e não é possível que ninguém no Bonete tenha um celular.

Ainda mais que em alta temporada aquilo lota de turistas. E mosquitos. Deuses, muitos mosquitos! E barcos cheios de gringos ou gente com cara de gringo que vem participar daquele concurso de vela que tem todo ano. Como que chama mesmo? [fecha o Word, abre o Google]



Semana da vela, é verdade. E esses caras sempre têm várias formas de se comunicar com a terra. Celular, rádio, código Morse e o diabo. Sei lá pra que tanta coisa, eles devem ter medo de morrer sozinhos no mar.

Bem que a morte podia ser assim, né? No mar. É isso, é assim que ele vai morrer. Ele, o marido dela. No mar. Mas antes alguém tem que tirar ela da ilha, porque ela está em coma. Esquece a morte no mar então. E esquece os gringos e suas várias maneiras de se comunicar com a terra. A história é nos anos 60. Ela chama Lurdinha. Isso, no diminutivo, que nem nas histórias pervertidas do Nelson Rodrigues.




Mas essa história não é pervertida. Até porque ela entra em coma em plena lua-de-mel e o marido dela deve ser um banana. Não, com certeza o marido dela é um banana. Só um banana pra morrer no mar em plena lua-de-mel.

Tá, vamos ver como a história está ficando:

Começo: Casamento

Meio: coma

Fim: alguém morre

Mas como ela entra em coma? Talvez ela seja alérgica a algum peixe que eles comeram. Não, aí a história fica sem graça e eu já ouvi história de peixe que mata as pessoas se não preparado direito, mas nenhuma de peixe que deixa jovens recém casadas em coma. Talvez seja algo maior. Tipo uma árvore...


... em cima da casa em que eles estavam hospedados. Mas não pode ser uma árvore muito pesada porque se não morre o marido e morre ela [nota mental que nunca será lembrada: pesquisar nomes de árvores não muito grandes]. E ela não vai morrer, quem morre é só ele. No mar. Afogado. Não, não deve ser nada bacana morrer assim, mas alguma coisa de errado ele deve ter feito... Tá, depois eu penso na morte. E esse negócio de árvore caindo... acho que ia ficar mais impactante se fosse um filme... Aconteceria uma tempestade devastadora, eles estariam no meio de uma briga, depois de terem entrado em casa para se abrigar da chuva e aí a árvore cai.

É. Taí uma cena que eu queria ver em um filme. Ok, vai ser um filme então. Mas um filme com músicas, porque qualquer filme é mais legal quando tem músicas. Tirando West Side Story, que um monte de gente diz que é bacana, mas que tem músicas meia boca e caras fazendo dancinhas bem bichas pensando que constituem gangues de machões delinqüentes.

Nesse filme os homens dançam. Mas sem dancinhas bichas, porque isso aqui não é Billy Elliot.

Talvez o filme devesse se passar em um cabaré então. Musicais em cabaré são sempre muito bacanas. Se bem que aí ele deveria ter sido feito no começo dos anos 2000, quando tava todo mundo fazendo filme de cabaré (Moulin Rouge, Chicago...). A onda agora é trilogias musicais com adolescentes prodígio. É, aí a Lurdinha seria adolescente e o pai dela seria o banana. Só que aí ele não pode morrer, porque essa coisa de filho ver pai morrer é muito deprê (vide O Rei Leão). É, o pai é um banana, mas não morre. E ela não entra em coma, porque isso meio que inviabilizaria toda a parte de cantar e dançar, certo?...


Vem cá, como é que a história começava mesmo?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

No alarms and no surprises



- Um dia você ficará cego, como eu. Estará sentado num lugar qualquer, pequeno ponto perdido no nada, para sempre, no escuro, como eu. (Pausa)

Um dia você dirá, estou cansado, vou me sentar, e sentará. Então você dirá, tenho fome, vou me levantar e conseguir o que comer. Mas você não levantará. E você dirá, fiz mal em sentar, mas já que sentei, ficarei sentado mais um pouco, depois levanto e busco o que comer. (Pausa)

Ficará um tempo olhando a parede, então você dirá, vou fechar os olhos, cochilar talvez, depois vou me sentir melhor, e você os fechará. E quando reabrir os olhos, não haverá mais parede. (Pausa)

Estará rodeado pelo vazio do infinito, nem todos os mortos de todos os tempos, ainda que ressuscitassem, o preencheriam, e então você será como um pedregulho perdido na estepe. (Pausa)

Sim, um dia você saberá como é, será como eu, só que não terá ninguém, porque você não terá se apiedado de ninguém e não haverá mais ninguém de quem ter pena.


Hamm em “Fim de Partida”, de Samuel Beckett

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Atendendo a pedidos

Caros,

Ficcionalidades de cara nova! Após ouvir reclamações de cada ser humano que entrava no meu blog acerca da coloração do fundo e da tipografia, resolvi mudar para o branquinho básico.

Apesar de continuar sendo partidária da opinião de que é muito mais fácil ler em fundo preto com letras brancas, resolvi escutar os conselhos de uma certa professora minha: "Terceiro anoo!" "Nós, jornalistas, escrevemos para os outros, não para nós mesmos". Como eu gosto mesmo é de escrever pra mim mesma e disso não abrirei mão, resolvi fazer ao menos essa concessão a vocês.


Att.
Laís Clemente

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A genialidade das ideias

Gente pequena tem umas ideias geniais de vez em quando. E como tem tempo em excesso, fica fazendo planos de executá-la. Mas aí chega a hora de dormir, as ideias geniais vão para o subconsciente e nunca são executadas.


De vez em quando a gente lembra dessas ideias e se arrepende de nunca tê-las feito. E daí faz planos de execução... Mas inevitavelmente vêm os afazeres e entre um afazer e outro deixamos a ideia de lado, que é novamente esquecida.


Aí a gente cresce, e eventualmente acaba lembrando da tal da ideia. Mas a essa altura ela já não tem mais graça. Gente grande não sabe apreciar as ideias verdadeiramente geniais.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paulistanices: a frieza aconchegante

Já faz uma semana e eu tinha esquecido de registrar isso. Foi na terça feira passada, quando eu andava pela Avenida Paulista, por volta da 13h30. A fome me fazia andar depressa, mas o som de uma flauta desacelerou meus passos. Ao olhar para a fonte do som vi um grupo mexicanos trajando roupas indígenas (parecidas com aquelas do desenho do Pica Pau, sabe?).

Como era hora de almoço, um grupo de executivos desocupados parou para olhar a apresentação dos rapazes. Mesmo que eu abomine o som dessas flautas de madeira - invenções do demônio, ao lado de gaitas de fole, flautas doces e xilofones -, abri um sorriso e já ia parar para dar uma simbólica contribuição - uma forma de gratidão pelo esforço daqueles estrangeiros em tornarem a fria e sisuda São Paulo um pouco mais alegre. Mas foi aí que eu reparei. Todos os executivos, sem exceção, mantinham uma distância de, ao menos, 5 metros de distância dos hermanos. Seria medo da gripe suína?

Se sim, chegar perto da caixinha seria correr o risco de um deles espirrar na minha cara antes que eu conseguisse ficar ereta e virar vítima da doença-com-nome-de-bicho do momento. Se não, agentes de saúde poderiam me levar e me por em quarentena mesmo assim, e então eu entraria para a lista das dezenas de casos suspeitos da gripe dos porcos. É, se bem que para isso eu deveria viver em um filme americano bem clichê e não no Brasil, onde as pessoas ainda morrem de dengue e contraem malária a rodo e ninguém fica surpreso com isso. De qualquer modo, lá fiquei eu, parada por uns cinco segundos com a mão no bolso, sem saber o que fazer. Pelo sim ou pelo não, desfiz o sorriso do rosto e apertei o passo.

Sei que deve estar meio tarde para conselhos e alertas, mas se vocês, (poucos) leitores, ouvirem por aí boatos de executivos contraindo a doença misteriosamente, não digam que eu não avisei...