Mostrando postagens com marcador Biografagens. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Biografagens. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Vestido, fumaça e palavrão

Abri o meu armário procurando um pijama e encontrei três pessoas. Tinha espaço suficiente para as três, mas uma delas, de pernas abertas e falando bem alto, ocupava boa parte do lugar dos demais. Era o João. Usando um casaco verde musgo com uma bermuda bege bem larga, ele aproveitava o conforto da vestimenta para se sentar bem à vontade enquanto contava para os outros uma história meio sem pé nem cabeça permeada por muitos palavrões.

Sentada em um cantinho, como quem não pertencesse àquele lugar, a Doralice enrolava seus cabelos com os dedos e ajeitava seu vestido florido para que os pés sujos do João não o sujassem. Ela estava tão quietinha no seu canto que tive vontade de colocá-la em um chaveiro e enchê-la de babados. O único barulho que emitia era uma tosse seca. E foi aí que eu reparei na fumaça.

Era da Carmen que, de pernas cruzadas e lábios cor de carmim, fumava um cigarro bem fedido com piteira. Eu tratei de arrancá-lo de sua mão antes que defumasse todas as minhas roupas. Ela nem se abalou e, lançando-me um olhar de desprezo, virou para o lado e começou a mexer em seu colar de pérolas. É uma pessoinha nojenta, mas impõe uma autoridade no João que eu nunca tinha visto. O menino é hiperativo, mas tomava um cuidado danado para não esbarrar em sua roupa feita sob medida. a Carmen tem todo um jeito misterioso que me intriga, mas não posso dizer que gosto dela. Assim que encontrei meu pijama, ela tirou outro cigarro do bolso e fez uma cara de “você não manda em mim”. Irritada, fechei o armário e fui dormir.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O dia depois do dia

Eu não durmo mais. Toda noite, ao fechar os olhos, acordo em um mundo bem parecido com este, só que completamente aleatório.

Então levanto da minha cama, abro a porta de casa e saio. Está claro. Encontro pessoas e converso com o jornaleiro em sua banca em forma de jacaré. Ele sorri e eu sorrio de volta, mas não me atrevo a entrar em seu estabelecimento.

Sigo meu caminho e vejo alguns carros que voam. Pego um deles e vou em direção a um parque. Acontece que eu esqueci que carros voadores são mais lentos do que os não voadores. Puxo conversa com o motorista, mas o romeno mal encarado não gosta do meu papo sobre algodões doces e pássaros venenosos e me empurra para fora.

Eu caio, caio e caio. Algumas das coisas do nosso mundo também existem nesse mundo, como o meu medo de altura. Mas o chão é bem macio e eu caio sentada, com todos os ossos nos devidos lugares. Não é que o romeno me jogou no parque que eu queria?

O lugar é bonito, mas tem muitas tartarugas. Eu não sei se você já as viu, mas tartarugas do dia depois do dia não são muito agradáveis. Vivem reclamando. O bom é que fugir delas é bem fácil. Logo escurece e uma moça de testa grande me coloca em um teleférico. Ele anda muito, muito rápido e aí o medo vem de novo. Sou jogada em um elevador. Olhando bem, não é que é o elevador lá de casa? Aperto o botão do meu andar, mas ele vai parar no 27. Aperto o meu andar de novo e vou parar no andar 155. E o raio da porta não abre. Entro em pânico e aperto o térreo. Só que o elevador despenca. Meu estômago vai parar na garganta e eu desmaio. Abro os olhos, levanto da minha cama, abro a porta e saio. Está claro.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Quando o meio também é começo e fim

É engraçado quando a gente se enxerga nos outros.
Os comportamentos, os sonhos, as aspirações, as ingenuidades.
Encontrar o seu ontem no hoje de outro.
E fazer seu próprio balanço à custa dos outros.
Medir o caminho percorrido, pensar nos obstáculos atravessados, seja à duras penas ou inconscientemente.

Visão panorâmica sem sair do lugar.

*

Senso de completude, a certeza de que alguém no mundo tem muito a aprender com a sua experiência, de que o que você viveu tem relevância para alguém.
Deve ser por isso que as pessoas têm filhos.

Pode parecer até cruel, colocar alguém em um mundo que está cada vez pior por motivos tão fúteis, mas nem por isso é algo incompreensível.

O meu agora é só meu e só por agora. E que cada um decida o que fazer do seu.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paulistanices: a frieza aconchegante

Já faz uma semana e eu tinha esquecido de registrar isso. Foi na terça feira passada, quando eu andava pela Avenida Paulista, por volta da 13h30. A fome me fazia andar depressa, mas o som de uma flauta desacelerou meus passos. Ao olhar para a fonte do som vi um grupo mexicanos trajando roupas indígenas (parecidas com aquelas do desenho do Pica Pau, sabe?).

Como era hora de almoço, um grupo de executivos desocupados parou para olhar a apresentação dos rapazes. Mesmo que eu abomine o som dessas flautas de madeira - invenções do demônio, ao lado de gaitas de fole, flautas doces e xilofones -, abri um sorriso e já ia parar para dar uma simbólica contribuição - uma forma de gratidão pelo esforço daqueles estrangeiros em tornarem a fria e sisuda São Paulo um pouco mais alegre. Mas foi aí que eu reparei. Todos os executivos, sem exceção, mantinham uma distância de, ao menos, 5 metros de distância dos hermanos. Seria medo da gripe suína?

Se sim, chegar perto da caixinha seria correr o risco de um deles espirrar na minha cara antes que eu conseguisse ficar ereta e virar vítima da doença-com-nome-de-bicho do momento. Se não, agentes de saúde poderiam me levar e me por em quarentena mesmo assim, e então eu entraria para a lista das dezenas de casos suspeitos da gripe dos porcos. É, se bem que para isso eu deveria viver em um filme americano bem clichê e não no Brasil, onde as pessoas ainda morrem de dengue e contraem malária a rodo e ninguém fica surpreso com isso. De qualquer modo, lá fiquei eu, parada por uns cinco segundos com a mão no bolso, sem saber o que fazer. Pelo sim ou pelo não, desfiz o sorriso do rosto e apertei o passo.

Sei que deve estar meio tarde para conselhos e alertas, mas se vocês, (poucos) leitores, ouvirem por aí boatos de executivos contraindo a doença misteriosamente, não digam que eu não avisei...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Festa no quintal

Chegam os chefes de família e suas rencas de filhos. A maior parte você nunca viu na vida, e mesmo assim é forçado a agir como se conhecesse. Afinal, “vocês brincavam juntos o tempo todo”!

Enquanto as crianças, se aproveitando da guarda baixa de seus pais, enlouquecem os donos da casa, os “adultos” fazem a tradicional rodada de perguntas indiscretas sobre sua vida pessoal. Você responde da forma mais evasiva que conseguir. Pessoas comentam o quanto você cresceu e acrescentam que “é melhor tomar cuidado, hein paizão? Essa menina ainda vai dar trabalho!”, com um sorriso perturbadoramente alegre.

Hora da comida é a parte mais legal. As humilhações cessam e você só tem que se preocupar em se aventurar no exotismo culinário de seus antepassados. Meio nojento, mas bem divertido. Aos poucos você acaba pegando o jeito e, explorando as iguarias a que todos estão acostumados, acaba descobrindo aquelas que não te farão vomitar. Cheira. Pergunta do que é feito. Se tiver textura de gelatina, mas não for sobremesa, não come. Do mocotó dá pra comer os legumes. Da feijoada, além dos grãozinhos, a carne seca e lingüiça (do tipo com trema) também são comíveis. Um pouquinho de farofa e couve do lado, que além de ornarem o prato dão a ilusão de que você também come alimentos verdes.

Música: Violão, sopros, contrabaixo e, em ocasiões especiais, até uma bateria. Na garagem, casais de idade avançada brincam de Dancing Queen enquanto todo o resto conversa no canto, quase como no bailinho da escola.

Churrasco combina com cerveja. Para o churrasco o carvão sempre falta. Para a cerveja sempre falta gelo. Pobre coitado que bebeu menos sai para reforçar o estoque. Mais carne? Não, não precisa, o que tem dá. Mais cerveja? Sim, esta sempre falta.

Fim de noite. Restos de sobremesa do almoço para repor o nível de açúcar e assim restaurar o tanto de senso de direção necessário para se manter em pé.

Nesse estado, todos fazem muitos planos e prometem jamais perder o contato. Entram em seus carros e retornam são e salvos a suas casas. Desta vez como todas as anteriores e as seguintes. E olha que ainda nem existia a lei seca.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Leitura dinâmica: Módulo I – Pequenos jornais religiosos

Sou uma ledora vagarosa. Os mais dados à chacota poderiam classificar isso como retardo literário ou até mesmo deficiência lingüístico-visual. Eu sempre me apoiei no pretexto de que sou apenas uma pessoa que gosta de apreciar as palavras.


Desta forma, a minha aparente lerdeza seria apenas uma forma de melhor admirar a beleza das poesias de Drummond e Pessoa, imaginar os personagens e locais descritos por Érico Veríssimo e absorver as informações tão bem apuradas por Ruy Castro.

Lindo, né? É o que eu conseguia fazer com que os outros acreditassem, até que chegou a faculdade e a pilha de textos e livros desagradáveis não parou de aumentar, revelando o quão esfarrapada era a minha desculpa.

Eis que certo dia pela manhã, quando aguardava o metrô chegar na plataforma, uma pequena luz se acendeu no fim do túnel.

Não, a luz do fim do túnel não indicava o fim dos meus dias, só me fez olhar para o lado e reparar na moça que estava logo à minha esquerda. Ela estava concentrada, lendo o seu jornal para passar o tempo. Eu, que também posso ser classificada como leitora oportunista, peguei carona no jornalzinho dela, que descobri se chamar Fé Mundial. A matéria que consegui vislumbrar, e que - a julgar pelo jeito como o polegar dela passeava pela folha - era a que ela também lia, falava sobre graças obtidas pelos fiéis que frequentavam a empresa. Digo, igreja.

Mas isso não vem ao caso. Não quero julgar as convicções religiosas e/ou gostos alheios. Só pego carona em suas leituras. E assim prossegui lendo a reportagem, sem parar para fazer avaliações e críticas. E não é que eu terminei três parágrafos antes dela?

É por isso que eu decidi: curso de leitura dinâmica? Só se for da Universal.