segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Só perguntas


Cara,

Como chegamos aqui?

Como permanecer o mesmo quando tudo muda?
Quando, 8 anos depois, você se vira e olha para si mesma, você gosta do que vê?
Como preservar o que há de melhor?
E como preservar algo que você nem sabe o que é?
Como não se tornar dona da certeza, dona da verdade?

Dona.
Sem perguntas, munida de afirmações, lá vai a Dona Fulana.


“Time may change me
But I can’t trace time”
Isso não é necessariamente ruim, certo?

Mas se você descobrir a resposta para alguma das perguntas acima, não esquece de me avisar?


Até lá,
G.G.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Em alto mar

Na área comum de um elegante cruzeiro marítimo, uma jovem olhava para o mar. Sozinha, ela permaneceu imóvel durante muito tempo, a se misturar com a paisagem, como qualquer outro objeto do navio.

Ela se vestia de maneira simples e recatada. O vestido branco de cortes retos tinha um respeitoso decote, que não passava da altura de suas clavículas. Magra e, pelo que pude observar, mais alta do que a média das mulheres, ela poderia passar facilmente por uma modelo, não fossem seu rosto e nariz pequenos e arredondados, que não costumam agradar o gosto das passarelas. Os cabelos cacheados foram cuidadosamente presos em um coque impecável. No entanto, como que confinados pelos grampos, os fios, que aparentavam terem sobrevivido a anos de violentos tratamentos químicos para controlar volume e maciez, tentavam escapar sobre sua testa, onde podiam ser relativamente livres, associando-se em organizações rebeldes de cachos e ondas.

Seus olhos eram a expressão máxima de seu estado de espírito. Negros e bem redondos, eles estavam semicerrados, não a mirar o movimento das ondas do mar ou as cores do sol que se punha no horizonte. Pareciam estar à deriva, a léguas de distância de onde se encontrava, a enfrentar suas próprias tempestades internas.

Para completar o visual, o colar de pérolas, mais ou menos à altura de seu decote, era visivelmente falso. Ele fora pintado com alguma tinta de coloração brilhosa e que já começava a descascar, revelando aos poucos o que ela se esforçara tanto para esconder.

Entretanto, ela mantinha o adereço no pescoço em uma das áreas de maior exposição do navio. Mesmo com suas pedras desgastadas, o objeto não deixava que os passageiros do navio esquecessem que, assim como eles, ela também prezava pela elegância.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

That's not me

Beach Boys

I had to prove that I could make it alone
But that's not me
I wanted to show how independent I'd grown now
But that's not me

I could try to be big in the eyes of the world
What matters to me is what I could be to just one girl

I'm a little bit scared
Cause I havent been home in a long time
You needed my love
And I know that I left at the wrong time

My folks when I wrote them
Told em what I was up to said that's not me

I went through all kinds of changes
Took a look at myself and said that's not me

I miss my pad and the places I've known
And every night as I lay there alone I will dream

I once had a dream
So I packed up and split for the city
I soon found out that my lonely life wasnt so pretty
Im glad I went now I'm that much more sure that were ready

I once had a dream
So I packed up and split for the city
I soon found out that my lonely life wasnt so pretty

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Quando o meio também é começo e fim

É engraçado quando a gente se enxerga nos outros.
Os comportamentos, os sonhos, as aspirações, as ingenuidades.
Encontrar o seu ontem no hoje de outro.
E fazer seu próprio balanço à custa dos outros.
Medir o caminho percorrido, pensar nos obstáculos atravessados, seja à duras penas ou inconscientemente.

Visão panorâmica sem sair do lugar.

*

Senso de completude, a certeza de que alguém no mundo tem muito a aprender com a sua experiência, de que o que você viveu tem relevância para alguém.
Deve ser por isso que as pessoas têm filhos.

Pode parecer até cruel, colocar alguém em um mundo que está cada vez pior por motivos tão fúteis, mas nem por isso é algo incompreensível.

O meu agora é só meu e só por agora. E que cada um decida o que fazer do seu.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

From nine to five

I got what the world would call a normal, boring job. I wake up in the morning, get dressed, drive myself to work, put on a name tag, take my brain out of my skull, and place it in a drawer.

I spend the next nine hours smiling at people, pretending to be interested in their happiness, tolerating the company of my co-workers, staring at the clock.

At the end of the day, I take my name tag off, open the drawer, reach for my brain, plop it back inside, walk to the employee parking lot, drive myself home...

And it's really, really, really boring. And looks like I'm gonna be doing it for a long, long time..."


Mary-Louise Parker interpretando Nancy Botwin no seriado Weeds, de Jenji Kohan

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Momento decisivo

Diane, it's - I don't know what time it is. Diane, I've been shot. I was out for a while and I can't reach my watch. The sky's getting light, I can hear birdsong. I'm lying on the floor of my room. There is a great deal of pain and a fair amount of blood. I seem to remember three shots, all to the midsection. I was wearing my vest last night, per Bureau regulations when undercover, but even so, if you can imagine someone dropping three bowling balls on your chest from a height of about nine feet you might begin to approximate the sensation.

On balance, though, being shot is not as bad as I had always imagined it might be. If you can manage to keep the fear from your mind. Then again, I suppose you could say that about almost anything in life: it's not so bad if you can keep the fear from your mind.



Kyle MacLachlan interpretando o agente Dale Cooper em Twin Peaks, de Mark Frost e David Lynch


sábado, 29 de agosto de 2009

Planejamento

O que eu mais gosto na Laura é que ela sabe planejar.


Desde os cinco anos de idade, quando nós brincávamos juntas de Barbie, ela contava que queria ser bailarina, e fazia com que a sua boneca dançasse no Municipal improvisado que era a caixa de sapatos de sua mãe.


Quando ela fez 15 anos, entrou para o grupo de teatro do colégio e, no final do terceiro ano, decidiu prestar artes cênicas. Como não passou da primeira vez, teve que ficar um ano estudando química, física e matemática - aquelas aulas que a gente geralmente cabulava para ensaiar as peças de fim de ano da escola.


Na faculdade ela assistiu muitos espetáculos, fez exercícios de improvisação, atou em quase uma dezena de peças, aprendeu a projetar sua voz e conheceu uma porção de danças brasileiras das quais eu, pelo menos, nunca tinha ouvido falar.


No fim do terceiro ano, ela fez uma oficina de circo. Foi lá que se encantou pelas acrobacias de chão e pelos malabares. A partir daí não parou de estudar a arte circense e, quando concluiu a faculdade, já tinha se distanciado tanto do teatro que foi chamada para trabalhar em um circo.


Ficou lá por dois anos, até que um dia viu um senhor tocando violino na entrada do circo, algumas horas antes da apresentação. A sonoridade daquela peça e a intensidade do som que aquele senhor franzino tirava do instrumento a encantaram. Ela precisava aprender a fazer aquilo. Começou a estudar violino com um professor particular. Depois de um certo tempo o pessoal do circo incluiu alguns números nas apresentações em que ela podia tocar o instrumento no picadeiro.


Depois de muito estudo, estava ficando difícil conciliar as duas práticas e ela largou o circo para que tivesse tempo para entrar em um conservatório. Ao avançar em seus estudos, a Laura conseguiu enxergar cada vez mais como a música se assemelha à matemática que ela tanto penou para aprender no cursinho.


Lembro-me de uma conversa que tive com Laura em um bar da cidade, quando ela ficou um tempão me explicando que música nada mais é do que números que soam. Sem querer contrariá-la, tomei um gole de cerveja e balancei a cabeça em um desajeitado movimento de confirmação. “Sim Laurinha, você tem toda razão”.


Durante seus estudos no conservatório, ela montou alguns quartetos de cordas com colegas, para que pudessem se apresentar fora do conservatório. Todos eles duravam cerca de três meses, já que nesse meio tempo algum dos integrantes geralmente desistia de viver de música e ia para a área de informática ou percebia que ainda dava tempo de fazer aquele curso de advocacia que seu pai insistia tanto.


Foi entre o término de um grupo e o início de outro que a chamaram para substituir uma violinista da orquestra de sua cidade que havia ficado doente . Sua primeira apresentação seria para acompanhar uma companhia de dança. Nervosa por ser a primeira vez que se apresentaria com tanta gente, acabou chegando uma hora e meia antes do ensaio. Sem ter o que fazer, foi assistir ao ensaio dos dançarinos. O que viu era uma incoerência só. Os corpos rígidos, os pés curvados executando movimentos graciosos... Ao mesmo tempo em que o resultado era esteticamente belo, comovente, era difícil de acreditar que aquelas pessoas no palco estavam menos preocupadas com a precisão do que com a emoção passada pela história que seus movimentos contavam.


Na hora da apresentação, a batuta do maestro e o papel pautado não foram suficientes para prender a atenção da Laura, e ela se pegou mais de uma vez olhando para os pés dos dançarinos realizando os complexos passos com nomes franceses. Chegou a cometer erros feios duas vezes, mas como o público não era muito exigente, ela conta que ninguém nem deve ter percebido.


Mesmo assim, ela sabia que tomaria uma senhora bronca do maestro no final do espetáculo. Foi o que aconteceu, mas ela pouco se importou. Durante aquela hora e meia de espetáculo, ela decidiu que mudaria de carreira novamente. Largou o conservatório e, aos 32 anos, se matriculou em um curso de balé. Apesar de estar velha demais para uma bailarina, acho que a elasticidade que ela desenvolveu no circo a ajudou a pegar os movimentos mais difíceis e ela não demorou muito tempo para se destacar entre suas colegas.


Da última vez que a encontrei, ela ainda estava apaixonada pelo balé. Dava aulas em uma escola que ela mesma abriu e planejava um espetáculo que reuniria dança clássica e movimentos de danças brasileiras. A música era o que mais a empolgava. Uma versão pouco conhecida da obra de Mendelson que ela tinha ouvido um velhinho tocar na porta do circo anos atrás.


Ela me explicou o projeto por horas e eu, para variar, não entendi lhufas. Mesmo assim, aposto que vai ser um sucesso. Laura é muito boa em planejar. Eu te contei que desde pequena ela já sabia que queria ser bailarina?