sexta-feira, 25 de março de 2011

Soul Serenade

Querida,

A mudança veio, como você me disse que viria. Mas às vezes a gente fica meio pensativo, meio contemplativo e começa a lembrar de como era antes de se jogar no rio. Tem sido uma jornada longa, intensa. E como que me aproximando de uma cachoeira, a queda fica mais íngreme cada vez mais rápido. É, não tem jeito. Frio na barriga faz parte do pacote. E é bom que faça.

Mas é bom entrar em contato com quem se era, dizer “Oi, quanto tempo!” para depois seguir cada um o seu caminho. Mudança é sempre bom, contanto que você possa guardar intacto e com carinho aquilo que estima.

Passei a semana toda procurando a tal da “verdade” do russo. Procurei-a nos versos e acordes de todos os velhos amigos. Tola, esqueci que se tem algum lugar onde ela está, é em você.

Perdão, mas depois de tantas lições de amor próprio, sensibilidade, força de vontade, potência e delicadeza, nem sei o que te dar no seu aniversário.

Ficam aqui, nesse cantinho, meus eternos agradecimentos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Esconde-esconde

Mesmo que encoberta por lençóis, lágrimas, piadas, negações, certezas, caretas, maquiagens, máscaras, sombras e descrenças, ela sempre se mostra.

Está na conversa até tarde, no grito descontrolado, no sorriso no metrô, na gentileza inesperada, na gota de orvalho, na pétala de flor. No plano, mas principalmente no acaso.

Tem gente que acha que ela se esconde bem, mas basta olhar direito. É que ela não gosta de admitir, mas é péssima nessa brincadeira. A não ser quando vai procurar. Você acha que encontrou o refúgio perfeito, abre a porta, e lá está ela.

sábado, 13 de novembro de 2010

Dia mundial da gentileza

Harold – Wow… that’s a…really good cookie.

So…When did you decide to become a Baker?


Ana – Oh. In college.


Harold – Like, “cooking college”?


Ana – No. I went to Harvard law.


Harold – Oh… oh. Geez. I… sorry. I just assumed… sorry.


Ana – No. It’s alright. I didn’t finish.


Harold – Did something happen?


Ana – Not really. I was… I was barely accepted. I mean, barely. The only reason they let me come was because of my essay. How I was going to make the world a better place with my degree. And I went there thinking…

Well, I went thinking that I might make a difference and uh… well… Harvard law has the smartest people in the world, people who will one day shape the earth, and it’s competitive and vicious and exhausting…

And I’d have to participate in these study sessions, classmates and I, all night long. Sometimes for a couple days straight. And so I could bake – cookies usually – so no one would go hungry while we worked. I’d bake all afternoon in the kitchen in the dorm before a big study session and write down what I was doing in one of those black Mead Journals they sell by the gross in the campus bookstore.

And I’d bring my little treats to the study groups… and people loved them. Oatmeal cookies. Peanut Butter bars. Chocolate chip and macadamia nut wedges. And everyone would eat and stay happy and study harder and do better on the tests and more people would come to the study groups and the study groups got better and I would make more snacks and try to find better recipes and the results would always get better and better and soon it was cheese cake and apricot croissants and mocha bars with almond glaze and lemon chiffon cakes with zesty peach icing and our study groups were famous around all Cambridge: not because we had the most copious notes, or the smartest people, but because we had the best snacks….

And at the end of the spring term… I had 27 study partners, eight black Mead journals filled with recipes… and a D average.

So I dropped out. Simply, without alarm, and without any regrets.

I just figured, if I was gonna make the world a better place… I’d do it with cookies. I’m glad you liked them.


Harold – I uh… I did. Thank you for forcing me to eat them.


Ana – You’re welcome.


Do filme Mais Estranho que a Ficcção, de Marc Forster


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Being Earnest

“You know what it's like, Erica? It's like... It's like you are in a boat. You've got this one oar over here and it's just rowing and rowing and rowing. You know, furiously fueled by everyone else's expectations. And that's... that's never gonna stop, but it's kinda got you going around in circles. 'Cause if you want to move forward, then you also have to row with the oar that represents how you see yourself.

Learn to be what you are and learn to resign with good grace all that you are not.

Henri Frederic Amiel


Michael Riley, o Dr. Tom da série canadense Being Erica

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Vestido, fumaça e palavrão

Abri o meu armário procurando um pijama e encontrei três pessoas. Tinha espaço suficiente para as três, mas uma delas, de pernas abertas e falando bem alto, ocupava boa parte do lugar dos demais. Era o João. Usando um casaco verde musgo com uma bermuda bege bem larga, ele aproveitava o conforto da vestimenta para se sentar bem à vontade enquanto contava para os outros uma história meio sem pé nem cabeça permeada por muitos palavrões.

Sentada em um cantinho, como quem não pertencesse àquele lugar, a Doralice enrolava seus cabelos com os dedos e ajeitava seu vestido florido para que os pés sujos do João não o sujassem. Ela estava tão quietinha no seu canto que tive vontade de colocá-la em um chaveiro e enchê-la de babados. O único barulho que emitia era uma tosse seca. E foi aí que eu reparei na fumaça.

Era da Carmen que, de pernas cruzadas e lábios cor de carmim, fumava um cigarro bem fedido com piteira. Eu tratei de arrancá-lo de sua mão antes que defumasse todas as minhas roupas. Ela nem se abalou e, lançando-me um olhar de desprezo, virou para o lado e começou a mexer em seu colar de pérolas. É uma pessoinha nojenta, mas impõe uma autoridade no João que eu nunca tinha visto. O menino é hiperativo, mas tomava um cuidado danado para não esbarrar em sua roupa feita sob medida. a Carmen tem todo um jeito misterioso que me intriga, mas não posso dizer que gosto dela. Assim que encontrei meu pijama, ela tirou outro cigarro do bolso e fez uma cara de “você não manda em mim”. Irritada, fechei o armário e fui dormir.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O dia depois do dia

Eu não durmo mais. Toda noite, ao fechar os olhos, acordo em um mundo bem parecido com este, só que completamente aleatório.

Então levanto da minha cama, abro a porta de casa e saio. Está claro. Encontro pessoas e converso com o jornaleiro em sua banca em forma de jacaré. Ele sorri e eu sorrio de volta, mas não me atrevo a entrar em seu estabelecimento.

Sigo meu caminho e vejo alguns carros que voam. Pego um deles e vou em direção a um parque. Acontece que eu esqueci que carros voadores são mais lentos do que os não voadores. Puxo conversa com o motorista, mas o romeno mal encarado não gosta do meu papo sobre algodões doces e pássaros venenosos e me empurra para fora.

Eu caio, caio e caio. Algumas das coisas do nosso mundo também existem nesse mundo, como o meu medo de altura. Mas o chão é bem macio e eu caio sentada, com todos os ossos nos devidos lugares. Não é que o romeno me jogou no parque que eu queria?

O lugar é bonito, mas tem muitas tartarugas. Eu não sei se você já as viu, mas tartarugas do dia depois do dia não são muito agradáveis. Vivem reclamando. O bom é que fugir delas é bem fácil. Logo escurece e uma moça de testa grande me coloca em um teleférico. Ele anda muito, muito rápido e aí o medo vem de novo. Sou jogada em um elevador. Olhando bem, não é que é o elevador lá de casa? Aperto o botão do meu andar, mas ele vai parar no 27. Aperto o meu andar de novo e vou parar no andar 155. E o raio da porta não abre. Entro em pânico e aperto o térreo. Só que o elevador despenca. Meu estômago vai parar na garganta e eu desmaio. Abro os olhos, levanto da minha cama, abro a porta e saio. Está claro.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Em poucas palavras

Seus olhos são de um azul muito claro, característica que geralmente é associada a pessoas dos gelados países escandinavos. O formato de sua cabeça entrega sua real origem: de fato vem do norte, mas de uma região mais abaixo no globo, dos ensolarados estados do Nordeste brasileiro. De lá, ele provavelmente herdou o bronzeado de sua pele, que contrasta claramente com a cor de seus grandes olhos.

Uma forma de comprovar sua ascendência seria ouvi-lo falar, escutar o musical sotaque nordestino, que deixa claro quem são os migrantes que decidiram se aventurar na cidade de São Paulo. Parece, porém, um homem de raras palavras. O pouco que ouvi sair de sua boca foram números, talvez porque é o mínimo que sua profissão o obriga a verbalizar: “R$ 2,50”, ele responde, economicamente, a quem deseja comprar os jornais de sua banca.

Seus cabelos brancos poderiam dar o ar respeitoso que só a idade traz, mas seu figurino acaba por abortar qualquer chance de que isso acontecesse. Veste-se simplesmente: calças jeans, tênis e camisetas de algodão são praticamente seu uniforme. As blusas geralmente são brancas, mas sempre desenhadas. Não é incomum que nessas estampas estejam outros algarismos, não os R$ 2,50 do jornal, mas os números de partidos políticos, mesmo em épocas distantes das eleições.
O que, à primeira vista, poderia ser encarado como comprometimento fervoroso a um partido, é facilmente desmentido se ele for observado por vários dias: os modelos podem parecer iguais, mas pertencem a partidos dos mais diferentes posicionamentos políticos, desde a extrema esquerda até partidos de tendências claramente direitistas.

Essa aparente infidelidade partidária não o parece perturbar, nem a seus clientes - que talvez nem percebam a incoerência. Sua forma de se vestir está mais ligada a uma simplicidade no jeito de ser do que a suas ideologias.

Os olhos ao horizonte geralmente miram o mundo que há fora de sua banca de jornais, com uma alegria de viver sem explicação aparente. Afinal, ele está sempre sozinho, rodeado por suas folhas. Antes das 6 horas da manhã, já pode ser visto em sua banca, organizando metodicamente as publicações do dia. Pelas tardes, quando os executivos andam apressados pela rua para chegar aos restaurantes onde irão almoçar ou para voltar ao trabalho, ele continua lá, a observar o mundo a sua volta sem se deixar contaminar por ele. Talvez seja por isso que prefira não dizer muitas palavras.